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quinta-feira, 3 de julho de 2008

CONFLITO ENTRE TRATADOS E LEIS

Patrícia Regina Pinheiro Sampaio
Carlos Affonso Pereira de Souza

Introdução
O escopo do presente estudo é apresentar de forma sucinta as principais questões relativas ao conflito entre normas de direito interno e de tratados internacionais. Para tanto, sintetizaremos em breves notas as fontes de direito internacional. A seguir, explicitaremos as soluções em caso de discrepância entre normas constantes de dois tratados, entre tratados e normas constitucionais, e, por fim, a antinomia entre tratados e lei federal.

I. Fontes de direito Internacional.

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em seu artigo 38, explicita as fontes de direito internacional.

“Art. 38 -

1 - A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) sob ressalva da disposição ao art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2 - A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem. (grifo nosso).”


São, portanto, fontes de direito internacional as convenções, os costumes, os princípios gerais de direito, as decisões das cortes internacionais, a doutrina e a eqüidade. Estas apresentam-se autônomas, não se podendo, portanto, elencá-las em níveis hierárquicos.

1. Fontes de Direito Internacional Positivo

Tratado - acordo formal destinado a produzir efeitos jurídicos. O termo é também utilizado em sentido genérico, para abranger todo acordo importante de caráter normativo. Exemplo: tratados de paz.
Pacto - tratado solene, principalmente de teor político. Exemplo: Pacto de Renúncia à Guerra de 1928.
Convenção - tratado criador de normas gerais. Durante o século XIX, o termo designou tratados de menor valia, distinção esta totalmente superada. Em princípio, guarda-se o vocábulo convenção para questões de teor técnico, preferindo-se tratado para aquelas de fundo político. Todavia, esta distinção não subsiste a uma detalhada análise dos textos normativos internacionais, o que demonstra que ambos os significados se confundem na atualidade. Exemplos: Convenção sobre mar territorial, Convenção geral interamericana de conciliação.
Declaração - acordo que cria princípios jurídicos ou afirma uma atitude política comum. Exemplo: Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Protocolo - apresenta dois significados:
a) ata de uma conferência;
b) protocolo-acordo - tratado criador de normas jurídicas, donde a sua importância, utilizado geralmente como suplemento a um acordo já existente. Exemplo: Protocolo de Ouro Preto de 1994, suplemento ao Tratado de Assunção de 1990.
Carta - tratado solene que estabelece direitos e obrigações. Terminologia também empregada para denominar atos constitutivos de organizações internacionais. Exemplo: Carta da ONU.
Ato - acordo que estabelece regras de direito que, entretanto, carecem de coercibilidade, estando seu caráter normativo no âmbito das obrigações de cunho político ou moral. Termo derivado do inglês Act, não é usado em português (adotamos, em seu lugar, a expressão Ata).
Estatuto - tratados coletivos que estabelecem normas para os tribunais internacionais. Exemplo: Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
Regulamento - terminologia rara, não comporta uma definição nítida. Foi a denominação utilizada no Congresso de Viena para estabelecer a ordem de precedência no serviço diplomático.
Código - o único texto sob esta denominação é o Código Sanitário Pan-Americano de Havana, de 1924. Entretanto, sob o cognome código, os doutrinadores mencionam algumas convenções, como o Código de Bustamante, cujo título oficial é Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado.
Acordo - tratado de cunho econômico, financeiro, comercial e cultural. Expressão de cunho altamente variável, não se pode que seja empregada somente para atos de importância menor. A origem do vocábulo é o agreement inglês, citando-se como exemplo da magnitude que este pode alcançar o GATT - General Agreement on Tarifs and Trade.
Acordo executivo - concluído pelo Poder Executivo, sem a participação do Legislativo.
Convênio - tratado que versa sobre matéria cultural ou de transporte, necessita, em regra, de aprovação do Legislativo. Exemplo: Convênio de Intercâmbio Cultural Brasil - Japão de 1961.
Modus Vivendi - acordo provisório. Exemplo: Modus vivendi de 1936 sobre a navegação do Reno.
Compromisso - acordo, geralmente bilateral, em que as partes se comprometem a solucionar seus litígios mediante arbitragem.
Ajuste, arranjo - termo utilizado para designar textos internacionais de importância secundária, visando, por exemplo, permitir a execução ou fixar a interpretação de tratados celebrados com a participação do Legislativo. Exemplos: Ajuste Brasil - Itália de 6 de agosto de 1980, complementar ao Acordo Básico de Cooperação Técnica de 1972.
Memorando - termo de aparecimento recente, tem sido utilizado pelas autoridades brasileiras para designar textos que independem de aprovação do Legislativo, e seu aspecto aproxima-se ao das atas de negociação. Exemplo: Memorandum brasileiro-uruguaio sobre serviços aéreos não regulares de carga, de 1980.
Troca de Notas - acordo sobre matéria administrativa.
Concordata - tratado assinado pela Santa Sé sobre assuntos religiosos.

II. Aplicabilidade dos tratados no território nacional.

Para termos certeza de que um tratado obriga o Brasil, necessário é saber se todos os trâmites foram corretamente obedecidos, o que requer a análise das fases do processo de conclusão dos tratados, constantes da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. O Brasil assinou-a em 23 de maio de 1969 , mas até o presente não logrou ratificá-la, motivo por que esta não é obrigatória para o Estado. Entretanto, o Itamaraty procura pautar suas negociações por esta Convenção, constando essa recomendação do Manual de Procedimentos - Prática Diplomática Brasileira, de 1984.
Analisaremos, em breves notas, as mais importantes fases de conclusão dos tratados e suas conseqüências para a ordem jurídica do Estado.

1.Negociação e Assinatura:
A negociação é a fase de discussão, ao fim da qual é elaborado o texto do tratado. A seguir, é o texto assinado pelo representante plenipotenciário de cada Estado. Em princípio, o valor desta assinatura é “ad referendum”, conforme termos da Convenção de Viena, ou seja, precisa ser corroborada pelo Estado. Todavia, dada a celeridade com que as relações internacionais têm se desenvolvido e a primazia face ao Legislativo que o Poder Executivo tem atingido em muitos países, é atualmente admitido que o Estado se obrigue mediante a simples assinatura de seu representante plenipotenciário, quando os Estados contratantes assim acordem, quando esta prerrogativa constar dos plenos poderes concedidos a seu representante, ou se tal hipótese restar acordada durante a fase de negociação.
Assim, entende o professor Rezek que a interpretação da Carta Constitucional de 1988 permite que o Poder Executivo celebre alguns acordos, dispensando a apreciação congressual. São duas as hipóteses:

1. o acordo executivo como subproduto de um tratado vigente, pois, neste caso, entende-se que a aprovação do Congresso sofreu uma antecipação no tempo. Neste sentido, os acordos de detalhamento, especificação e suplementação previstos no texto original.
2. o acordo executivo como expressão de diplomacia ordinária, uma vez que é da competência privativa do Presidente manter relações com os Estados estrangeiros (artigo 84, VII, da CRFB/88). Assim, pode o Poder Executivo, sem a aprovação do Legislativo, decidir sobre intercâmbio consular, a atuação dos representantes do Estado nas organizações internacionais, a aceitação ou recusa de convites para entendimentos visando à preparação de tratados.

2. Ratificação:
A ratificação é o ato pelo qual um Estado informa aos demais sua aprovação ao projeto de tratado concluído por seus plenipotenciários, e que torna sua observância para aquele Estado obrigatória perante a comunidade internacional. O poder competente para a ratificação é fixado pelo Direito Constitucional de cada Estado, sendo um ato do Poder Executivo, ainda que este não possa prescindir da aprovação do Legislativo. A obrigatoriedade da ratificação, todavia, tem decaído face ao crescente número de tratados bilaterais que entram em vigor sem que haja ratificação. Assim, além de a Comissão de Direito Internacional declarar que esta fase é necessária apenas “em princípio” , a doutrina tem admitido exceções ao princípio da obrigatoriedade de ratificação, mormente em sede de tratados bilaterais e acordos executivos considerados urgentes, passando estes a surtirem efeito desde a assinatura. A Convenção de Viena declara que a ratificação é necessária quando restar determinada da fase de negociação, ou quando houver intenção dos negociadores de submeterem o tratado à ratificação.
Não há prazo para os Estados procederem à ratificação, exceto quando for estabelecido durante a negociação. Por outro lado, a não ratificação não enseja qualquer responsabilização jurídica do Estado, embora possa dar ensejo a retaliações de caráter político. Os tratados que a exigem só passam a ser obrigatórios quando da troca ou depósito dos instrumentos de ratificação, sendo tal procedimento imprescindível inclusive nos tratados de adesão.
No Brasil, a ratificação dos tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional depende da aprovação do Congresso Nacional (artigo 49, I, da CRFB/88), destacando-se os acordos sobre a dívida externa, que jamais poderão revestir-se da forma de acordo executivo. Dependerá, ainda, da aprovação do Senado Federal, as operações externas de natureza financeira de Estados, Municípios e do Distrito Federal (artigo 52, V, da CRFB/88). A aprovação do Congresso Nacional é expressa mediante a promulgação de um decreto legislativo, ao passo que os tratados submetidos apenas ao Senado Federal são aprovados através de resoluções.
Não obstante a aprovação congressual, ao Presidente da República cabe a última palavra quanto à celebração de tratados, podendo este se opor à ratificação. O inverso, porém, é inadmissível: rejeitado o projeto do tratado pelo Congresso, não pode o Presidente ratificá-lo, donde se conclui ser a aprovação pelo Congresso Nacional requisito para a validade da ratificação, com a qual não se confunde. A partir da ratificação, o acordo entra em vigor na ordem internacional.

3. Promulgação e Publicação
Estas fases sucedem a ratificação, sendo ato jurídico interno, que torna o tratado válido e executável dentro dos limites territoriais do Estado. Sua importância reside em que os tratados não são norma de direito interno, sendo a partir de sua promulgação, através de decreto do Presidente da República, que estes passam a integrar o ordenamento jurídico interno.
Uma vez promulgado o texto do decreto, constando a íntegra do tratado em anexo, este é publicado no Diário Oficial da União. A publicação é imprescindível para que o tratado seja aplicado internamente, por dar ciência à população de sua existência, mas cumpre ressaltar que sua observância pelo Estado no plano internacional independende desta.
Os tratados são, portanto, fonte de direito, entendidos como lei lato sensu (assim como decretos, portarias e todas as normas positivas de elaboração distinta a das leis em sentido estrito). Ao aplicar-se os tratados, está-se aplicando norma de Direito Internacional que o Brasil, após seguidos todos os trâmites de elaboração, se obrigou a respeitar. De forma alguma podem os tratados ser analisados como norma de direito interno.
Esclarecemos, entretanto, que a aplicação do tratado enquanto norma de direito internacional em nada diminui sua força cogente ou sua eficácia para a população brasileira, a qual tem o dever de respeitá-lo desde a data de sua publicação. Esta conclusão é obtida de uma interpretação sistemática da Constituição. Se a Lei Maior declara ser da competência do Supremo Tribunal Federal julgar, em Recurso Extraordinário, todas as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado (artigo102, III, b, da CRFB/88), está implicitamente reconhecendo o dever de os tribunais nacionais aplicarem os tratados, independentemente da existência de lei que disponha sobre a matéria neles contida, e por conseguinte, a obrigação de todos o respeitarem. No mesmo sentido, o artigo 105, III, da Constituição, ao estabelecer que ao Superior Tribunal de Justiça cabe apreciar os recursos quando a decisão de primeira ou única instância houver contrariado tratado ou negado-lhe vigência , está corroborando a tese de que os tratados são válidos internamente independente de sua transcrição em lei nacional.


III. Tratados Internacionais e Direito Interno:

1. Resolução de conflito entre normas constantes de dois tratados.

Consoante Celso Mello , o problema das antinomias entre normas de diferentes tratados tem sua solução prevista na Convenção de Viena, conforme se segue:

a) a regra geral é a de que o mais recente prevalece sobre o anterior quando as partes contratantes são as mesmas nos dois tratados;

b) quando os dois tratados não têm como contratantes os mesmos Estados:

1 - entre um Estado parte em ambos os tratados e um Estado parte somente no tratado mais recente se aplica o mais recente;
2 - entre um Estado parte em ambos os tratados e um Estado parte somente no tratado anterior se aplica o tratado anterior;

c) entre os Estados partes nos dois tratados só se aplica o anterior no que ele não for incompatível com o novo tratado.

2 Conflito entre normas de direito interno e tratados em que o Brasil é parte.

O problema da inconstitucionalidade dos tratados, ou de parte deles, deve ser discutido apenas em relação aos tratados auto-executórios , pois somente estes são apreciados diretamente pelos tribunais. Com efeito, em relação aos tratados que exigem regulamentação interna antes de sua entrada em vigor, a argüição de inconstitucionaldade já ocorre no plano interno, uma vez que a antinomia dirá sempre respeito a duas normas internas: a lei regulamentora do tratado e a Constituição Federal.

2.1 Conflito entre norma constitucional e tratado.

2.1.1 A inconstitucionalidade formal dos tratados.

Pela denominação inconstitucionalidade intrínseca, destacamos o problema concernente à internalização defeituosa dos tratados de que o Brasil é parte. O mais grave deles resulta da ratificação imperfeita, isto é, o Poder Executivo ratifica um tratado sem tê-lo submetido ao Legislativo . Há, sobre a questão em pauta, três divergentes posições doutrinárias, as quais passamos a expor:

1. a não submissão dos tratados ao Poder Legislativo é questão de direito interno, em nada maculando a vigência do tratado, que é fonte de direito internacional, principalmente tendo em vista que um Estado não está obrigado a conhecer o direito Constitucional do outro;

2. O tratado celebrado sem a aprovação do Legislativo é nulo, posto não haver nenhuma norma de direito internacional concedendo validade a este tipo de tratado.

3. O tratado será nulo somente quando a violação for notória para o outro Estado contratante, sendo válido na hipótese contrária. É conhecida como teoria mista, estando consagrada na Convenção de Viena.

O problema acima abordado refere-se à aplicação do tratado no âmbito interno, fruto do cotejo entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional. Em qualquer das hipóteses, não pairam dúvidas de que o referido tratado é plenamente válido na ordem internacional.
No plano interno, a solução de maior aceitação doutrinária tem sido a terceira, isto é, necessitando a conclusão do tratado se sujeitar aos critérios formais dispostos na Constituição dos Estados, em esta sendo violada, pode-se argüir sua invalidade pois, na verdade, o tratado não chegou a ser devidamente concluído. É, outrossim, corolário do Estado democrático que o Executivo submeta as propostas de tratados à apreciação do Legislativo, sendo que o Direito Internacional não pode considerar tal ponderação irrelevante.

2.1.2 A inconstitucionalidade material dos tratados.

Trata-se do problema de maior complexidade em sede de conflito de normas internas e internacionais. Com efeito, a doutrina tem sido cautelosa na análise desta questão, optando por não reconhecer nem à Constituição nem aos tratados supremacia absoluta. Prefere a doutrina a busca da conciliação entre as ordens jurídicas nacional e internacional.
Várias têm sido as soluções encontradas pelos Estados para este problema. Há Constituições que prevêem o primado dos tratados sobre o disposto nelas, e, ao contrário, há aquelas que ordenam a prevalência de seus dispositivos em caso de conflito. Todavia, mesmo tais disposições não devem ser aplicadas sem uma maior análise da situação fática, e tem sido obra árdua da jurisprudência fundamentar suas decisões neste campo.
O Brasil, por expressa norma constitucional (artigo 102, III, b) consagrou o princípio da supremacia da Constituição, ao conceder ao Supremo Tribunal Federal competência para declarar a inconstitucionalidade dos tratados.

2.2 Conflito entre lei federal e tratado.

O problema da existência de norma legal incompatível com o disposto em tratado do qual o Brasil é parte tem sido objeto de profunda controvérsia doutrinária. Ao longo dos anos e através das diversas Constituições do país desde sua independência, os juristas têm trabalhado a questão de como resolver o citado conflito. Ao menos três posições podem ser facilmente isoladas:

1. o tratado promulgado e publicado no Brasil tem status de lei federal, resolvendo-se eventuais discrepâncias pela clássica regra hermenêutica lex posteriori derrogat priori, ou seja, a norma estatuída posteriormente, seja o tratado ou a lei, tem o condão de derrogar a anterior naquilo em que forem incompatíveis;

2. a lei tem prioridade de aplicação sobre o tratado no que forem incompatíveis, em obediência ao princípio de que os tribunais não podem se furtar a aplicar as leis do país;

3. a norma internacional é dotada de primazia sobre a lei interna, em obediência ao princípio do pacta sunt servanda.

A terceira posição é hoje doutrinariamente dominante, pelas razões que exporemos sucintamente. Tratado e lei não podem revogar-se mutuamente, por se tratar de normas de natureza diversa. Não são elaboradas de forma semelhante, tampouco são expressão de uma mesma vontade. Por outro lado, a segunda posição também não logra êxito, uma vez que, se há obrigação de os tribunais aplicarem as leis, igual responsabilidade lhes cabe no tocante aos tratados, mormente em face dos artigos 102, III e 105, III, da Constituição Federal. Não é possível, por conseguinte, a concepção do tratado como fonte supletiva da lei, aplicável somente quando de sua ausência.
A vigência inarredável dos tratados (e a doutrina entende que este termo deve ser interpretado em sentido amplo, para abranger também Convenções, Protocolos, Cartas, ...) advém, em primeiro lugar, da liberdade dos Estados para celebrar ou não tratados. Livres para escolher, não podem, uma vez celebrado o acordo, deixar de efetivá-lo sob a escusa de que seu cumprimento contrariaria o direito interno. Pacta sunt servanda. Os princípios de cooperação entre os povos e os ditames da boa-fé devem presidir as relações internacionais. Dado ser muito difícil que um Estado conheça o ordenamento interno do outro, não é possível que os tratados deixem de ser cumpridos sob a escusa de incompatibilidade com a ordem jurídica interna.
Soma-se ao argumento acima exposto, o fato de que o Poder responsável pela elaboração de lei - o Congresso Nacional - participa da conclusão dos tratados, enquanto a recíproca não é verdadeira, isto é, nem todos os participantes da elaboração dos tratados participam da elaboração das leis. O Poder Legislativo permite a conclusão dos tratados, entendendo-os compatíveis com o direito interno. O Congresso Nacional, ao longo de sua história, não permitiu a conclusão de tratados inconstitucionais, em respeito ao princípio da primazia da Constituição.
Entretanto, não se pode exigir que o governo aplique uma disposição internacional cujos resultados mostrar-se-ão gravosos ao país. Nestes casos, os tribunais poderão deixar de aplicá-lo, mas este desrespeito por parte dos Poderes é passível de responsabilização internacional. Para prevenir esta responsabilização, o Governo deve denunciar o referido tratado ao invés de deixar de cumpri-lo.

IV. Alterações nos tratados.

1. A possibilidade de emendas a tratados.

Não pairam dúvidas de que aos Estados contratantes é lícito propor emendas aos tratados, as quais serão incorporadas desde que aceitas pelos Estados partes no tratado (artigo 39 da Convenção de Viena). Este é o procedimento utilizado principalmente para tratados bilaterais.
Os acordos multilaterais regem-se pelo disposto no artigo 40 da citada Convenção. O tratado emendado não vincula os Estados que não desejem ser parte no tratado emendado, permanecendo vinculados ao tratado original. Quanto a novos Estados que adiram a tratado emendado, serão considerados partes no tratado emendado, e partes no tratado original em relação aos Estados que não aderiram às emendas.

2. A possibilidade de apresentar cláusulas de reserva.

A reserva é uma declaração unilateral do Estado que adere a um tratado coletivo, visando a excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a esse Estado (Convenção de Viena, art. 2). Este instituto permite que o Estado se torne parte do tratado, ressalvando-se o direito de não cumprir certas normas com as quais não assente. Não é possível a reserva em sede de tratado bilateral, pois a conclusão deste requer que ambos os Estados tenham logrado o perfeito consenso.
Cumpre ressaltar que as partes podem decidir livremente quanto à impossibilidade de serem inseridas cláusulas de reserva, em sua totalidade ou de forma parcial.

3. A possibilidade de denunciar o tratado.

Através do instituto jurídico da denúncia, um Estado manifesta sua vontade de retirar-se de um tratado do qual é parte. Nem todos os tratados são passíveis de serem denunciados, como, por exemplo, os tratados de demarcação de fronteiras. Quanto aos tratados de teor humanitário, há doutrinadores que os entendem não denunciáveis.
Caso o tratado seja omisso quanto à possibilidade de denúncia, dispõe a Convenção de Viena que este não é denunciável, salvo se for possível auferir de seu teor que as partes desejaram a possibilidade de denúncia, ou quando esta for da natureza do tratado (art. 56 da Convenção de Viena).

Conclusão.

O tema objeto do presente estudo apresenta-se doutrinariamente controverso, e a jurisprudência dos tribunais superiores têm, na ampla maioria das hipóteses, esposado tese diversa à da doutrina dominante. Enquanto esta última tende a considerar a primazia do direito internacional em suas análises, nossos tribunais têm sido pacíficos em atribuir aos tratados celebrados pelo Brasil status de lei federal ordinária.
Quanto à validade das normas internacionais no território nacional, esta dá-se com a promulgação do tratado pelo Presidente da República e sua publicação no Diário Oficial da União. No plano internacional, os tratados têm validade desde a ratificação.

Anexo: Posição da Jurisprudência quanto ao tema em análise

Os tribunais superiores mantêm, há muito, posição pacífica em relação ao conflito entre lei e tratado. Entendem os magistrados que, uma vez internalizados os tratados através dos mecanismos de promulgação e publicação, estes passam a viger com status de lei federal. Neste sentido, in verbis, acórdão da 3a turma do STJ: “O tratado internacional situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando. A prevalência de um ou outro regula-se pela sucessão no tempo” (Resp 0074376, DJ 27/11/95).
Todavia, esta prevalência não significa revogação. Apenas nos pontos em que exista antinomia, o tratado deixará de ser aplicado, em benefício da norma legal. Assim “o tratado não se revoga com a edição de lei que contrarie norma nele contida. Perderá, entretanto, eficácia, quanto ao ponto em que exista antinomia, prevalecendo a norma legal”. Por isso mesmo, “a lei superveniente, de caráter geral, não afeta as disposições especiais contidas em tratado” (3a turma do STJ, Resp 0058736, DJ 29/04/96).
Em acórdão recente, constante da Seção Transcrições do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 12/01/99, o Ministro Celso de Mello (STF) expõe os pontos obscuros do tema ora em análise (ADIn. 1.480 - DF) . Explica o ilustre Ministro:
“O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I), e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. (...)
“No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os atos internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. (...)
“O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame da constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno” (...)
“Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. (...)
“Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir- não podem, em conseqüência, versar sobre matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar.”

O Artigo 98 do CTN.
Um dos pontos de maior controvérsia nesta questão diz respeito ao artigo 98 do Código Tributário Nacional. O referido artigo dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” O artigo foi interpretado por eminentes internacionalistas como consagradora da corrente que concede primazia ao Direito Internacional. Esta concepção, entretanto, não logrou êxito em nossos tribunais, que têm lhe dado interpretação restrita, nos termos que se seguem: “O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-as em nível idêntico, conferindo-lhe efeitos semelhantes. O artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósito de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual.” (1a turma do STJ, Resp 0037065, DJ 21/02/94). No mesmo sentido: “Se o acórdão recorrido é expresso em afirmar que as mercadorias foram importadas sob o regime de tratado contratual e não de tratado normativo, de caráter geral, não há divisar ofensa ao acórdão do GATT, nem ao art. 98 do CTN” (2a turma do STJ, AGA 0067007, DJ 28/04/97).

FONTE: PUC RIO

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